(Prof. Luiz Costa Pereira Júnior)
Santo
Antônio já foi vereador no Brasil. Por 60 anos ele ganhou salário, cadeira no
plenário e apoio popular entre os colegas em Igarassu, na grande Recife. Não
estou falando de lenda ou história do passado remoto. O santo só perdeu o cargo
em 2008, em pleno século XXI. Difícil de acreditar, mas veja um trecho da
reportagem de Geneton de Moraes Neto para o Fantástico da TV Globo, no terceiro
domingo de abril de 2008.
“Diz
a reportagem: que o Santo ganhou título de vereador perpétuo. O salário era
recebido todo mês por uma freira. Uma imagem do Santo acompanha todas as
sessões da Câmara. O título foi fixado por resolução da Câmara ao Santo Antônio
de Pádua, como vereador perpétuo (art. 1º)”.
A
Câmara de Igarassu seguiu uma resolução de 1951 que regularizava uma carta
régia de D. José I (Rei de Portugal) de 1754. O salário do santo era dado à
caridade, mas isto não sensibilizou o Ministério Público que retirou o cargo de
vereador do santo pernambucano.
O
grande lance é que este não é um caso isolado no país. Em 1705 o próprio Santo
Antônio foi promovido a Capitão pelo Governador da Bahia. Nem sempre isso é
tido como uma anormalidade, pois muitos brasileiros acreditam que a relação de
intimidade com santos seria natural para a cultura brasileira.
Há
inúmeras referências culturais nas religiões entre os muçulmanos ou em países
de tradição católica, como Portugal, Polônia ou Espanha.
No
Brasil temos nossas peculiaridades.
Sérgio
Buarque de Holanda foi um dos maiores intérpretes do Brasil no século XX. É
dele um estudo clássico sobre a cultura brasileira, chamado Raízes do Brasil,
escrito em 1976. Nesse livro os cultos religiosos parecem assumir um caráter
intimista, quase fraterno, que se acomoda mal nas cerimônias e suprime as
distâncias. Cristo, Nossa Senhoria, os Santos, não aparecem como seres
privilegiados, distantes e sem sentimento humano. Nosso velho catolicismo nos
acostumou tratar os santos, com uma intimidade quase desrespeitosa. As pessoas
querem estar em intimidade com as sagradas criaturas e o próprio Deus é um
amigo familiar, doméstico e chegado, oposto ao Deus palaciano a Quem
homenageamos de joelhos, como se fosse um senhor feudal. Somos marcados demais
pela hierarquia e pela ordenação de cima para baixo e gostamos de pensar que na
miúda, há sempre algum jeito de escapar de tudo que é muito rígido e
inalcançável.
No
Brasil prezamos a formalidade nas religiões, gostamos de ver a vela e o incenso
queimarem, mas ao mesmo tempo o rigor do ritual, sempre se afrouxa e se
humaniza. A vida brasileira nem é assim coesa, nem é assim disciplinada para
que a gente ache obrigatório um ritual rigoroso, pois não é ele que compensará
as amarguras sociais e nossas dúvidas. Nossa sensibilidade aprendeu a se
movimentar com certa liberdade para absorver os mais diversos repertórios de
ideias, gestos e formas que surjam pelo caminho, para nos ajudar a enfrentar os
mistérios da existência. Vamos à missa de manhã e ao terreiro a noite,
ajoelhamos no confessionário católico e esperamos passe no centro espírita.
Tornamo-nos devotos de santos e cavalos dos orixás, devotamos crença em mais de
uma religião ao mesmo tempo. Somos misturados, porque queremos um ele pessoal
que ajude a domesticar a morte e o sofrimento e com isto, chegamos a Deus e aos
espíritos, até mesmo nos ambientes onde o rigor é a regra.
No
Brasil vale toda a mistura, todo sincretismo religioso, todo apego ao mesmo
tempo agora a todas as proteções divinas para nossas atividades terrenas. Desde
2011 benzedeiras são reconhecidas pelo SUS como profissionais de saúde. Em 2011
morreu pai Santana, massagista que há mais de 40 anos o Vasco da Gama mantinha
como funcionário com carteira assinada, encarregado de “trabalhos” contra os
rivais. Anos antes, em 1997, o feiticeiro processou o clube Internacional por
não lhe pagar os serviços prestados numa disputa contra o Grêmio. Aqui
traficantes do morro carioca param suas atividades no Natal, em respeito ao
nascimento de Cristo e um chefão do tráfico como Fernandinho Beira Mar faz na
prisão uma faculdade de Teologia à distância. Até os nossos corruptos oram,
como na oração da propina, como ficou conhecida em 2009, a bênção ao acerto da
mesada para base aliada do Governo do Distrito Federal, o chamado mensalão do
DEM. Nas imagens que ganharam o país, os deputados Rubens Cesar B. Júnior,
Leonardo Prudente e Secretário Durval Barbosa, são vistos numa prece e
agradecem as graças recebidas.
No
Brasil não consideramos qualquer tipo de crendice uma mera superstição, mas um
jeito de aumentar nossa chance de estar protegido. Então a relação que se
mantem com as divindades se tornam quase sempre pessoal, passional, direta,
motivada pela simpatia e pela lealdade, mesmo quando nossa religião tem um
intermediário – um padre, um pastor, um pai de santo, um médium. Se a nossa
relação com o divino é dessa natureza, assim tão pessoal, temos que saber
chamar a atenção de nós mesmos, no mesmo ato em que chamamos a atenção da
divindade. Talvez por isso Sérgio Buarque de Holanda desconfiasse que o país
aprendesse a devoção com apetite por condimentos fortes, na expectativa de que
antes de atingir a alma, há de atingir antes o olho e o ouvido. Isso teria
estimulado uma religiosidade superficial, menos atenta ao teor da pregação, do
que ao colorido e à forma com que a pregação é feita. Com apego ao concreto e
uma pré-disposição para fazer um acordo, uma média com as entidades sagradas.
Daí nosso apego ao concreto, pois uma reza nem sempre basta. Muitas vezes se
intui que é necessário fazer a súplica, acompanhada de objetos e mimos,
promessas e oferendas, que têm apelo muito mais dramático para sensibilizar o
divino. Daí nossa linguagem religiosa seja marcada por gestos e movimentos de
comunhão, que vão dos pulinhos de Iemanjá e de São Longuinho, ao envio de
energia positiva e negativa com as mãos par ao campo de futebol, que vão dos
dramas encenados para os índios desde a época dos Jesuítas, as missas
movimentadas por grandes espetáculos, performances e canções na era eletrônica.
A
religião tem sido considerada por muitos estudiosos, como um modo da pessoa
entrar em sintonia com o universo, de compartilhar algo não só com Deus, mas
com todas as pessoas, todos os seres, toda natureza. Isso tem um efeito muito
atraente, de colocar tudo que existe debaixo do mesmo guarda-chuva, de igualar
as diferenças, de dar sentido ao que ninguém explica; de dar conforto para os
sofrimentos e às necessidades que sofremos ao longo da vida e de mostrar que
faz sentido a forma como a sociedade está montada, com suas desigualdades e
vantagens para uns, não para todos.
A
grande contribuição brasileira seria a comunhão das religiosidades. O
antropólogo Roberto da Mata, no livro “O que é o Brasil” diz que aqui
diferentes experiências religiosas são complementares e não como em alguns
povos como os europeus os norte-americanos, onde experiências diferentes de
religião são mutuamente excludentes. Aqui o que uma dá em excesso, a outra
economiza e nega. O que uma permite a outra proíbe. O que uma racionaliza, a
outra traduz uma devoção malevolente, pois também na religião, tivemos a
felicidade de contar com cultura de composição. Também na religião o brasileiro
busca tudo o que o ajude a relacionar, tudo que dispense força exagerada e o
que evita a tirania sobre nós mesmos, venha de onde vier, sem tanta
exclusividade assim.
A
cultura religiosa brasileira passa por uma mudança desde a virada para o século
XXI. De um lado as religiões não são a única fonte capaz de conferir
significado à existência do homem, como uma sociedade organizada, para ser cada
vez mais laica e menos tutelada por diretrizes religiosas. Do outro lado o
Brasil devoto viu diminuir a hegemonia católica, que por muito tempo foi
intolerante com as demais religiões, apesar da ambiguidade religiosa
brasileira. Novas formas de expressão de fé e misticismo começam a se firmar
pelo país, com explosivo aumento do mercado de crenças. Vivemos uma
proliferação de seitas, uma oferta fragmentada de cultos e igrejas
explicitamente gerenciadas como empresas. Meios de comunicação de massa a
serviço da devoção, novos tempos criados com sistemas de crenças fluidos e não
muito claros, o suficiente para colocar esse mercado em expansão, em sintonia
com o sistema de consumo atual, em que cada pessoa tem sua individualidade
conhecida, por ser dada a ela a condição de escolher o tipo de religião de sua
preferência. O catolicismo por século tornou inseparável a religião e as
decisões da estrutura pública, a ponto de servir como instrumento de controle e
da riqueza e do prestígio social. Longe da vida pública, da política e dos
compromissos com as causas sociais, a igreja católica tem visto uma grande
massa de fiéis buscando respostas em outras portas. Agora o panorama se inclina
para uma privatização de fé e fragmentação do mercado das crenças. Com isso
aumentam as demonstrações de intolerância mútua entre religiões rivais.
Apesar
das mudanças na mentalidade religiosa brasileira, a linguagem da fé
predominante no Brasil diz Roberto da Mata, ainda continua ser uma linguagem do
relacionamento, que busca o meio termo, a possibilidade de salvar todo mundo e
encontrar algo de bom e digno. Um idioma que permite a um povo que não possui
muita coisa e não conseguem alcançar seus representantes legais, mas consegue
falar, ser ouvido e receber os deuses na sua própria casa e até no próprio
corpo. Somos um povo que leva mais a sério o outro mundo, do que um Deus
autoritário e justiceiro, com mandamentos estagnados e excludentes. Muitos são
os caminhos brasileiros para chegar ao outro mundo, porque o outro mundo
brasileiro é o lugar onde as coisas fazem sentido e são justas e equilibradas,
porque a vida não é.
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Licenciatura em Ciências Naturais e Matemática
POLO ARAÇATUBA
ST2
Disciplina: Cultura Brasileira
Semana 04 - Vídeo-Aula: 07 – Racismo à Brasileira:
(Prof. Luiz Costa Pereira Júnior)
O
Brasileiro gosta de acreditar que não é racista, uma das crenças mais salientes
da nossa cultura. A ideia de que somos uma combinatória de etnias tão grande,
que nos tornamos praticamente uma etnia à parte. Uma combinatória de
influências de todo canto. Uma mistura tão particular, que nos soa estranho
como uma forma tão rígida de raça é usada em outras culturas para separar e
humilhar as pessoas.
O
racismo ainda está vivo no cotidiano brasileiro, muitas vezes mascarado. Essa
aula procurada entender essa contradição fundamental entre ser e não ser
racista, tudo ao mesmo tempo agora.
Vídeo
– CQC – sobre jovens negros.
Pergunte
para um brasileiro sobre racismo e sua resposta automática será negar. Ele faz
isso com sinceridade, por acredita que o racismo ou não existe no país ou é
brando.
As
manifestações de preconceitos são consideradas atitudes de uma minoria, ou
algum caso excepcional.
Vídeo
– pesquisa sobre nível de preconceito – apenas 10% admite a existência. Algumas
questões históricas.
O
Brasil racista é o outro. O sociólogo Florestan Fernandes percebeu nos anos 60
que um traço nosso é camuflar a discriminação, jogando a culta em qualquer um
que não a gente, sem nunca encarar o problema de frente.
Nossa
sociedade teve uma história construída sobre a desigualdade, um modo de vida
que um dia foi sustentado pela escravidão, pelas relações paternalistas e
clientelistas que criam níveis de dependências nos mais desfavorecidos,
maquiando a maneira com que são explorados.
A
sociedade não admite o racismo, mas é no campo da vida privada, nos mecanismos
da intimidade, no convívio mais privado que se movimenta o nosso preconceito.
Vídeo
– CQC – sobre racismo/preconceito. (Entrevista com RAPPER)
Hoje
a genética e a biologia nos informaram que raça não existe. Não é possível
identificar na natureza, no corpo, no sangue do ser humano diferenças de tipo
racial. Ela é antes uma classificação, uma ideia coletiva, mas raça ainda é um
conceito forte. A um rótulo de raça todos acostumaram associar valores, crenças
e conceitos usados para discriminar grupos sociais.
Vídeo
– CQC – sobre racismo/preconceito. (Entrevista com DÉBORA ADÃO – Professora da
Rede Pública)
Em
1954 o sociólogo brasileiro Oracy Nogueira fez uma distinção muito sugestiva.
Ele afirmou que o nosso preconceito racial é de um tipo particular, diferente
do de outras culturas. Aqui se cultua o preconceito de marca, que não seria a
mesma coisa do que o preconceito de origem, ativamente realizado em países que
costumamos usar como referência de racismo – os Estados Unidos e a África do
Sul, em que a segregação chegou a ser uma política oficial. O que Oracy quis
dizer é que no nosso racismo conta a aparência, a marca, o contexto e a posição
social, não necessariamente a origem. A pessoa pode ser definir mais ou menos
branca, tudo depende de quem pergunta e das condições sociais em que vivem ou
se suas situações financeiras. Muitas vezes depende só do contexto. Um negro
nomeado Capitão do Mato, passa a ser tratado como branco ou pelo menos como uma
figura importante no universo do Senhor de Escravos. E volta a ser negro quando
derrapa ou faz algo que não é esperado de alguém que ocupe uma posição
senhorial.
Como
aqui o intermediário ocupa um lugar forte na cultura, nosso racismo é
contraditório e tudo depende das relações que são mantidas entre as pessoas.
Ganhou
certa fama o relato do século XIX feito pelo botânico francês August de
Saint´Hilaire que topou com um grupo de milicianos parados numa estrada de
Minas Gerais e perguntou: Quem era o chefe deles? Um soldado apontou um Oficial
e o francês perguntou – É aquele negro lá? E a resposta foi rápida – Não, ele
não é negro, uma vez que ele é chefe.
Vídeo
– CQC – sobre racismo/preconceito. (Porque uma pessoa negra vira um moreninho,
um escurinho? Etc.)
Nos
anos 30 do século XX a ideia de democracia racial trocou a noção de raça pela
de cultura. A biologia parou de explicar o estado em que se encontrava a
sociedade. O que ela explica é a trajetória em que essa sociedade construiu
para si mesmo. A ideia de mistura racial deixou de ser considerada uma
maldição, que nos levaria para o eterno atraso, em relação a outras
civilizações, para ser tomadas como uma séria contribuição que o Brasil tinha a
dar a outras nações. Aquelas que são marcadas pelo ódio étnico, pelas guerras
fraticidas, pelas diferenças de raça e origem.
Por
muito tempo nos orgulhamos do nosso celeiro de raças e de nossas harmonias, mas
miscigenação não é sinônimo de igualdade. Com o tempo percebeu-se que a
inclusão, era contaminada pela exclusão social. Somos excludentes e includentes
ao mesmo tempo. As desvantagens no acesso ao trabalho, a bens, moradias,
escolas, reproduzem a escala de nossas misturas.
No
Brasil somos tolerantes com a desigualdade, mas somos flexíveis com relação as
etnias. Em muitos países pessoas com pele claras, mas ascendências negras
continuam sendo tratadas como negras. A origem por si só define o lugar que ela
ocupará, pois lá pesa a descendência e não a aparência. Mesmo nos lugares em
que a ideia de igualdade é considerada um valor a ser estimulado, como nos EUA,
muitos classificam as pessoas por meio de hierarquias: negros hispânicos,
asiáticos.
Enfrentamos
um tipo de racismo no Brasil que parece silencioso. Preconceito não é
admissível publicamente. Ele se esconde numa superfície de precária igualdade
diante das leis. Há uma espécie de projeto oficial brasileiro que é
antirracista e mostramos o melhor da nossa cultura, quando nos socializamos e
nos identificamos nos padrões de mestiçagem, mas quando reafirmamos a diferença
entre as pessoas, por meio de convenções que implicam sujeição e exclusão,
simplesmente retomamos ódios antigos, segundo modelos que costurou a relação
entre senhores e escravos.
Nós
nos acostumamos com a ideia de que há áreas e que misturar pode, e miscigenação
é um valor, é um bem e que a ideia de inclusão social é realmente tolerável, no
campo da arte, música, futebol, da festa popular, mas em outras áreas valem
antigas hierarquias. Predomina a noção de que a pessoa deve saber qual é o seu
lugar. É o que ocorre no acesso ao trabalho e ao conhecimento, nas ocupações de
mando e de autoridade e em algumas relações de convívio cotidiano.
Vídeo
– CQC – sobre racismo/preconceito. (Entrevista Professor Douglas Belchior – ele
fala – as balas perdidas sempre acertam um corpo negro. A morte negra não
comove.) CONSTRUINDO OS ESTÁDIOS DA COPA – (NEGROS). APROVEITANDO OS ESPAÇOS DA
COTA. (BRANCOS)
A
herança de uma sociedade por tanto tempo escravagista, tão acentuadamente
hierarquizada e descaradamente desigual, grita em nossas veias e é possível
sentir suas cicatrizes no dia-a-dia. Talvez discriminar tenha assumido no
Brasil uma forma tão particular, onipresente e natural, que a coisa precisa ser
muito gritante para saltar aos olhos. Mas isso só acontece porque ainda vivemos
numa sociedade em que posições sociais desfavoráveis são no fundo encaradas
como uma realidade da vida, uma maldição que não se reverte.
O
desafio da cultura brasileira e romper com essa nefasta de que o conformismo e
o conservadorismo não têm relação com os nossos preconceitos.
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